Qual a origem do Universo? Por que estamos aqui? De onde vem a vida?
O que acontece depois da morte? Imagine se você pudesse fazer todas
essas perguntas diretamente para a autoridade máxima no assunto. Isso
mesmo: que tal ter uma conversa com Deus e ouvir dele todas as
respostas? Agora imagine que as respostas já existem, e foram passadas
de geração a geração por um grupo de sábios estudiosos, do início dos
tempos até os dias de hoje. Pois essa é a definição da cabala: uma
revelação feita por Deus para os homens, capaz de esclarecer todos os
mistérios que rondam a humanidade. Conheça aqui a história do misticismo
judaico e saiba como a cabala está conquistando o planeta.

No princípio, Deus criou os céus e a Terra. "Faça-se a luz", e a luz
foi feita. Depois, Deus criou o homem e o chamou Adão. Findos os 7 dias
da Criação, o Senhor viu que tinha feito algo bom. O homem habitava o
paraíso e tinha contato direto e constante com Ele. E daí Deus resolveu
passar ao homem toda a sabedoria da cabala. "Adão conhecia a cabala",
dizem alguns praticantes. O assunto, porém, é controverso entre os
próprios cabalistas. Teria o conhecimento da cabala sido passado de Adão
a seus descendentes até Noé, depois até Abraão, Moisés e em seguida aos
grandes mestres históricos, que selecionavam rigorosamente aqueles que
estariam aptos a ser seus discípulos? Não há consenso sobre o momento em
que a cabala foi revelada ao homem, mas todos os cabalistas concordam
que o ensinamento sagrado veio diretamente do Criador, assim como os 613
mandamentos judaicos contidos na Torá, a bíblia judaica, que os
cristãos chamam de Pentateuco. "A cabala é além do tempo, ela não tem
nem começo nem fim", diz o rabino israelense Joseph Saltoun,
ex-professor do Centro de Estudos da Cabala, em São Paulo, e que hoje
leciona em Vancouver, no Canadá.
Mas, afinal, o que é a cabala?

Bem, para tornar mais simples a tarefa de explicar, vamos começar
dizendo o que ela não é. Ok, cabala NÃO É religião, autoajuda,
superstição, magia, bruxaria, sociedade secreta, meditação, adivinhação,
interpretação de sonhos, ioga, hipnose ou espiritismo, embora possa
estar relacionada a todas essas coisas. Agora fica mais simples entender
o que a cabala É: um conjunto de ensinamentos sobre Deus, o homem, o
Universo, a Criação, o Caminho, a Verdade e coisas afins; uma revelação
de Deus para o homem. "Ela nos diz por que o homem existe, por que
nasce, por que vive, qual é o objetivo de sua vida, de onde vem e para
onde vai quando completa sua vida neste mundo", diz Marcelo Pinto,
representante do centro de cabala Bnei Baruch no Brasil. "O ser humano
tem muitas questões, e a cabala é um caminho espiritual que permite
trazer de volta o elo com a verdadeira origem de tudo", explica Ian
Mecler, professor de cabala no Rio de Janeiro e escritor de livros como O
Poder de Realização da Cabala (Editora Mauad). Para Shmuel Lemle,
professor da Casa da Cabala, também no Rio, "nada acontece por acaso.
Existem leis de causa e efeito. Assim como existem leis físicas como a
lei da gravidade, existem leis espirituais".
Independentemente de
quando a cabala tenha surgido, o modo como a conhecemos hoje é o
resultado da transmissão desses ensinamentos por meio da tradição
judaica. A palavra cabala (????, em hebraico, cuja pronúncia mais
próxima do original é "cabalá") significa receber/recebimento. A cabala é
uma forma de misticismo, pois ensina que é possível ao homem ter
contato direto com esferas superiores da realidade, ou mesmo com
manifestações do próprio Criador. Portanto, de um modo simplificado, a
cabala é o misticismo judaico, ou a corrente mística ligada à tradição
do judaísmo, para ser mais exato.
União com o criador
Grosso
modo, a cabala está para o judaísmo assim como o gnosticismo está para o
cristianismo e o sufismo está para o islã. Gnosticismo e sufismo são as
correntes místicas ligadas respectivamente às tradições cristã e
muçulmana. Como misticismos, essas 3 correntes têm muito em comum (veja o
quadro da página ao lado). A maior parte das diferenças está no modo de
transmissão do conhecimento, adaptado à tradição em que aquele tipo de
misticismo se desenvolveu. Esse raciocínio não vale apenas para as 3
religiões chamadas abraâmicas (por serem todas herdeiras do patriarca
Abraão) mas também para as místicas orientais, como hinduísmo, tao e
budismo, além do zoroastrismo na Pérsia, só para citar as mais
conhecidas.
Se a cabala é um tipo de misticismo, talvez seja o
caso de explicar: o que é misticismo? Em poucas palavras, é a crença na
possibilidade de percepção, identidade, comunhão ou união com uma
realidade superior, representada como divindade(s), verdade espiritual
ou o próprio Deus único, por meio de forte intuição ou de experiência
direta em vida. Na intenção de atingir esse tipo de experiência, as
tradições místicas fornecem ensinamentos e práticas específicos, como
meditação e aperfeiçoamento pessoal consciente. Nosso foco nesta
reportagem, a cabala, não é exceção. Para entender melhor, vamos dar uma
espiada no passado?
Tradição oral
Seja
qual for o primeiro e privilegiado homem a ter recebido o conhecimento
esotérico da cabala, ninguém discute que os ensinamentos foram
transmitidos oralmente ao longo de muitas gerações, até que alguém
resolvesse eternizá-los na escrita. Os primeiros escritos conhecidos com
referências a esses ensinamentos datam do século 1. São livretos
reunidos numa coleção chamada Heichalot ("Os Palácios"), que versam
sobre os passos necessários para ascender evolutivamente através de 7
palácios celestiais, com ajuda de espíritos angelicais. Mas os livros
mais importantes da cabala são o Sefer Yitizirah (Livro da Criação) e o
Zohar (Livro do Esplendor), ambos de origem incerta. O primeiro teria
sido escrito no século 2, mas seu autor é desconhecido. No caso do
Zohar, a situação é ainda mais complexa. Para alguns cabalistas, ele foi
escrito pelo rabino Shimon bar Yochai, também no século 2. A maioria
dos estudiosos, porém, acredita que o Livro do Esplendor seja de autoria
do escritor judeu-espanhol Moisés de León, que divulgou os manuscritos
no século 13.
Embora o Sefer Yitizirah e o Zohar concentrem em
suas páginas os principais ensinamentos da cabala, é importante lembrar
que a Torá é tão importante quanto eles. Isso porque, segundo a cabala, a
Torá contém ensinamentos preciosos codificados dentro do texto sagrado -
decifrar esses ensinamentos ocultos é, por sinal, um dos principais
propósitos do misticismo judaico. Uma das maneiras de interpretar a
bíblia hebraica é recorrer a códigos e números: a guematria, a face
matemática da cabala, atribui valores
numéricos a cada uma das 22 letras do alfabeto hebraico. A ordenação
dessas letras no texto bíblico seria uma das maneiras que Deus teria
encontrado para revelar ao homem os segredos do Universo.
As
interpretações da Torá são tão importantes que foram divididas em 4
níveis de profundidade. O 1º nível, Peshat, é aquele com que todos
leitores estão acostumados, mais simples, que compreende o sentido
literal do texto. O 2º, Remez, já considera os significados alegóricos
da linguagem (alusões). No 3º nível, Derash, entram comparações entre
trechos similares e metáforas. O último nível seria aquele que
compreende o sentido secreto e misterioso da mensagem divina: Sod.
Juntos, os nomes das interpretações já possuem um significado próprio.
Combinando-se as primeiras letras de cada um, obtém-se a palavra PaRDeS,
que significa paraíso e remete à finalidade última do esforço de
interpretação. Isto é, ao finalmente compreender a mensagem que Deus
colocou nos textos sagrados, o cabalista receberia de volta o
conhecimento do paraíso, como se lhe fosse devolvida a chave para
retornar ao Éden, do qual Adão foi expulso por desobediência. "É como
uma gota retornando ao oceano, de volta à realidade divina. Não é um
processo fácil", diz o rabino Leonardo Alanati, da Congregação Israelita
Mineira.
Mestres e discípulos
Durante
séculos, especialmente após a destruição do Segundo Templo em Jerusalém
pelos romanos, no ano 70, a sabedoria da cabala foi cuidadosamente
transmitida "por mestres iluminados somente a pequenos grupos de seus
discípulos mais brilhantes e inspirados", conta Alanati. Os discípulos
ideais eram homens maduros (mais de 40 anos), pais de família, de
comportamento exemplar e ávidos por descobrir os segredos do Universo.
Não eram muitos, portanto, aqueles que se tornavam mestres e davam
continuidade à transmissão do conhecimento oral.
Para boa parte
dos cabalistas, as restrições tinham uma razão clara: o público não
estava preparado para receber esses ensinamentos. "Esse é o principal
motivo para a transmissão restrita", opina Mecler. "Hoje, a evolução da
ciência ajuda a compreender muitos dos ensinamentos antigos", diz. Mas o
motivo de tanto segredo não era somente a escassez de discípulos
ideais. Em diversas épocas, por razões diferentes, os judeus foram
proibidos de professar publicamente sua fé - a perseguição aos
cabalistas atingiu o clímax no século 16, durante a Inquisição espanhola. Além disso, "a cabala contém uma
reinterpretação revolucionária do texto bíblico, que usa uma simbologia
complexa e uma linguagem ambígua", diz Alanati. Por causa disso, em
muitas ocasiões os cabalistas foram considerados hereges. Até hoje, o
estudo da cabala é condenado por várias vertentes do judaísmo.
Entre
o período final da Idade Média e o fim da Idade Moderna, houve um
ressurgimento da cabala. No século 13, o Zohar foi distribuído pelo
escritor espanhol Moisés de León; no século 16, os conhecimentos foram
sistematizados pelo místico Moisés Cordovero, um dos sábios a se
refugiar na cidade israelense de Safed; em seguida, Isaac Luria divulgou
novas interpretações dos ensinamentos, que foram espalhados por vários
mestres pela Europa, fazendo da cabala a teologia dominante em círculos
escolásticos e no imaginário popular judaico; e, no século 18, o rabino
Baal Shem Tov fundou o hassidismo, variante ortodoxa do judaísmo que
ensinava uma versão mais "fácil" da cabala. De todo modo, "a essência é a
mesma há 4 mil anos", diz Mecler. "O conhecimento não muda, assim como
as leis da física não mudam. Muda só a forma de transmitir", diz Lemle.
Hoje,
com o advento da internet, o conhecimento da cabala é acessível a
qualquer interessado, ainda que de forma simplificada. "Estamos prontos,
então a hora chegou", conclama Lemle. Nos séculos 20 e 21, foram feitas
diversas traduções do Zohar para o hebraico moderno (o idioma original é
o aramaico) e para o inglês (não existe uma versão completa em
português). Mas o fator que mais contribuiu para a popularização da
mística judaica foi a recente adesão (desde a década de 1990) de
celebridades como Madonna, Mick Jagger, David Bechkam, Britney Spears e
outras..
A organização responsável
pelo surgimento da cabala pop é o Kabbalah Centre, uma escola de cabala
fundada em 1984 na cidade de Los Angeles. Lá, como você pôde perceber ao
ler o nome dos famosos, o acesso aos ensinamentos não é restrito a
judeus. "Temos alunos de várias religiões", diz Yehuda Berg, um dos
coordenadores do centro americano. "Não vejo problema nisso."
Nem
todos estudiosos aceitam a ideia de que a cabala deva ser acessível a
todos. A atitude do Kabbalah Centre provocou reações indignadas de
cabalistas mais tradicionais, como o iraquiano Yitzhak Kadouri, um dos
mais importantes estudiosos da cabala no último século. "A cabala não é
moda", disse em 2004, comentando a adesão de Madonna ao misticismo. "Ela
deve ser estudada somente por judeus."
Controvérsias à parte, a
verdade é que a cabala ganhou milhares de aspirantes de diversas
religiões nos últimos anos. Mas essa não é a primeira vez que acontece
esse tipo de "sincretismo". Veja a seguir como diversas crenças e
religiões encontraram na cabala uma parceira de peso.
Parcerias poderosas
Durante
o Renascimento, a cabala despertou interesse de grupos místicos
cristãos, intrigados com a compatibilidade entre as duas tradições. O
resultado foi a criação da cabala cristã (ou católica), que levou novos
níveis de interpretação aos textos sagrados cristãos. "Considero Jesus
um mestre de cabala", diz Mecler. Um sincretismo mais profundo resultou
no surgimento da chamada cabala hermética, que reúne ensinamentos de
gnosticismo, alquimia, astrologia, religiões egípcia, greco-romana e
pagãs, tarô, tantra, maçonaria, hermeticismo, neoplatonismo, hinduísmo e
budismo, em uma espécie de síntese de todas as tradições místicas ditas
autênticas. Outra variante é a cabala prática, que trabalhava com o uso
da magia, incluindo a criação de amuletos e encantamentos, e teve seu
apogeu na Idade Média.
Mas, além
dessas tradições cabalísticas distintas, a própria cabala judaica tem
diferentes correntes. Uma delas é a já citada cabala pop. Outra variante
tem como expoente o Bnei Baruch Kabbalah Education & Research
Institute, fundado em 1991. Autodenominado o maior grupo de cabalistas
em Israel, o Bnei Baruch não considera a cabala um misticismo, mas "uma
ferramenta científica para o estudo do mundo espiritual". A proposta
deles para compreender o Universo é aliar os estudos científicos da
física, da química e da biologia às ferramentas cabalísticas. Seu
fundador e atual diretor, o filósofo Michael Laitman, é Ph.D. em cabala
pela Academia Russa de Ciências e mestre em biocibernética médica.
Além
dessas e, claro, do judaísmo hassídico, existem outras correntes - mais
conservadoras, mais literais, mais flexíveis... "Cada escola se liga
mais em um ou outro mestre", esclarece Mecler. As diferenças são na
ênfase em cada aspecto da sabedoria, mas todas seguem a base comum dos
textos sagrados e da tradição oral. "Existem muitos mestres, e cada um
pode escolher aquele com o qual se identifica, mas não há diferença na
base do ensinamento", diz Lemle. Afinal, como costumam dizer, "a Verdade
é uma só". Que tal conhecer um pouco dela?
Deus-infinito
Assim
como a religião judaica, a cabala afirma que tudo o que existe vem de
Deus. Entretanto, o Deus único não é compreendido exatamente da mesma
maneira. Se, para a religião tradicional, Deus é o todo-poderoso Criador
de todas as coisas, para a cabala Ele não é somente o Criador mas é
também a Criação. Ou seja, a Criação não é dissociada do Criador, mas
parte d’Ele. A existência de Deus não seria, portanto, distinta do
espaço e do tempo; o espaço e o tempo estariam contidos no próprio
Deus-Infinito. Mas não vá pensando que já entendeu, porque isso não é
assim tão simples. E nem imagine que essas racionalizações vão
proporcionar a você um entendimento profundo de Deus. Por um simples
fato: segundo a cabala, ou mesmo a religião judaica, o Deus-Infinito não
pode ser compreendido pela nossa mente física limitada.
Claro
que, apesar disso, os cabalistas não deixam de estudar esses
ensinamentos, porque os consideram fundamentais para prosseguir no
caminho da evolução espiritual. Um dos estudos mais importantes é
justamente o que diz respeito à natureza da divindade. Para começar, os
cabalistas preferem o termo Deus-Infinito - uma tradução para ??? ???
(lê-se da direita para a esquerda), ou Ein Sof, aquele que veio antes de
tudo, que precede a Criação. Veja o que diz o Zohar sobre o Ein Sof:
"Antes de dar qualquer formato ao mundo, antes de produzir qualquer
forma, Ele estava só, sem forma e sem semelhança com qualquer outra
coisa. Quem então pode compreender como Ele era antes da Criação? Por
isso é proibido emprestar-Lhe qualquer forma ou similitude, ou mesmo
chamá-Lo pelo Seu nome sagrado, ou indicá-Lo por uma simples letra ou um
único ponto... Mas, depois que Ele criou a forma do Homem Celestial,
Ele a usou como um veículo por onde descer, e Ele deseja ser chamado por
Sua forma, que é o nome sagrado ‘YHWH’".

Pode parecer estranho
não poder dar um nome a Deus, tornando-o de certa maneira inacessível
para os homens. Afinal, se é assim, como pode existir uma experiência
mística que permite esse acesso? Bem, a cabala explica que o contato com
Deus é realizado indiretamente, por meio de um de seus desdobramentos.
"Para tornar-se ativo e criativo, Deus criou as 10 sefirot ou emanações.
As sefirot formam a Árvore da Vida, que representa os aspectos de Deus
existentes dentro de nós", explica o rabino Alanati. Ou seja, uma
maneira de ter o contato místico com Deus é através de uma das 10
sefirot, as mesmas representadas no famoso diagrama. Alanati explica que
as 7 esferas mais baixas estão diretamente relacionadas com os 7 dias
da Criação descritos no livro do Gênese.
Mas como teria se dado
exatamente a Criação? A cabala tem um livro dedicado a esse tema: o já
citado Sefer Yitizirah. O texto ensina que a primeira emanação do Ein
Sof foi ruach (espírito/ar), que em seguida gerou fogo, responsável por
formar água. A existência real dessas substâncias potenciais foi
comandada por Deus, que as utilizou como matérias-primas de toda a
Criação. Por exemplo, a água deu origem à terra, o fogo originou o céu e
o ar ocupou o espaço entre eles para formar nosso planeta. Ainda
segundo o Sefer, o Cosmos é dividido em 3 partes (cada uma delas
contendo uma combinação dos 3 elementos primordiais): o mundo (ou, com
alguma abstração, o espaço), o ano (tempo) e o homem.
A cabala
divide o Universo em 4 planos de existência, divididos hierarquicamente a
partir da emanação do Ein Sof até nós. Nessa ordem, teríamos então: o
Atziluth (Mundo da Emanação ou das Causas), que recebe a luz diretamente
do Ein Sof; o Beri’ah (Mundo da Criação), onde não há matéria e onde
moram os anjos de mais alta hierarquia; o Yitizirah (Mundo da Formação),
onde a Criação assume forma material; e o Assiah (Mundo da Ação), onde
se completa a Criação e se localiza todo o Universo físico e suas
criaturas. No sistema luriânico, um quinto mundo é mencionado, acima do
primeiro, e que serviria de mediação entre o Ein Sof e o Mundo da
Emanação.
Planos superiores
É curioso
observar que, na cabala luriânica, desenvolvida no século 16 pelo
rabino Isaac Luria, há um conceito que lembra a Teoria do Big Bang.
Segundo essa linha cabalística, a primeira ação de Ein Sof para criar o
Universo teria sido uma contração sobre si mesmo, que teria provocado
uma catástrofe inicial chamada tohu, gerando um vácuo. Em seguida, esse
váculo teria sido preenchido com as emanações divinas (de uma maneira
explosiva, tendo em vista a grande velocidade dos acontecimentos
narrados) e, a seguir, "retificado" nos mundos que você conheceu no
parágrafo anterior.
Enquanto estiver no Mundo da Ação, o homem
está sujeito a dirigir o corpo físico que lhe foi concedido, mas seu
objetivo deve ser sempre o mesmo: aprender e evoluir para ascender aos
planos superiores. "O judaísmo acredita que a alma é eterna e
subdividida", diz Alanati. "A vida continua em outras realidades além da
nossa, aguardando a ressurreição. A cabala é a única corrente dentro do
judaísmo que defende o conceito de reencarnação: algumas almas retornam
a este mundo em outro corpo, até acabar de cumprir a sua missão. Ou
então elas voltam para nos trazer bênçãos e luz através de seu ser
altamente desenvolvido". Segundo ele, seria possível uma alma atingir o
estágio de evolução necessário em uma única vida, mas é comum receber
mais algumas chances, num processo de reencarnação que também faz parte
dos aprendizados evolutivos.
Segundo a cabala, a alma humana é
dividida em 3 partes básicas. A mais "baixa", chamada nefesh, é a parte
animal, responsável pelos instintos e reflexos corporais. Acima dessa
estaria ruach, o espírito ou alma média, que contém as virtudes morais e
a habilidade de distinguir o que é bom e o que é ruim. A alma alta,
neshamah, seria a terceira parte, que representa o intelecto e distingue
o homem das outras formas de vida, por permitir a vida após a morte. É a
neshamah que permite a percepção da existência de Deus.
Outras
duas partes da alma humana são discutidas no Zohar: chayyah, que permite
a consciência da força divina, e yehidah, a parte da alma que é alta o
suficiente para atingir o maior nível possível de união com o Criador.
"A meta é alcançar o propósito para o qual fomos criados: a equivalência
de forma com a Força Superior. Todo o trabalho na cabala tem esse
objetivo", resume Marcelo. Na hipótese remota de a humanidade finalmente
se unir ao Criador, em uma fusão completa e perfeita, o que
aconteceria? O fim do mundo? O começo de uma nova e gloriosa Criação?
Bom, isso nem mesmo os mestres cabalistas sabem responder...
VOLTA ÀS ORIGENS
Grupo
de jovens israelenses se reúne em uma caverna perto da vila de Beit
Meir, em Jerusalém, para estudar a cabala, em maio de 2010. Uma vez por
semana, cerca de 12 judeus ortodoxos se encontram nesta caverna perto da
cidade sagrada para repetir um ritual antigo: analisar e discutir, por
horas a fio, os textos de livros como o Zohar.
FESTA MÍSTICA
Mais
de 2 mil estudantes da cabala se reuniram na Times Square, em Nova
York, para celebrar a chegada do Ano-Novo Judeu, Rosh Hashana, em
setembro de 2001. O canto, a dança e as vestes brancas são típicos de
uma nova geração de cabalistas, que considera a festa, a celebração e a
alegria tão importantes quanto a meditação e as longas sessões de estudo
dos textos antigos.
LADO A LADO
Judeus ortodoxos e
soldados israelenses rezam juntos na tumba do rabino Isaac Luria, em
Safed, Israel. Luria, um dos mais importantes cabalistas de todos os
tempos, foi o responsável pela renovação do misticismo no século 16 com a
criação da cabala luriânica e a divulgação de seus ensinamentos para
além dos círculos judaicos.
BANHO SAGRADO
Um judeu se
banha nas águas geladas da Mikve HaAri, localizada em Safed, Israel.
Cabalistas repetem há anos o ritual, prestando homenagem ao rabino Isaac
Luria, que teria utilizado as mesmas águas no século 16. Alguns se
banham todos os dias, mas o mais comum é realizar o ritual na véspera do
Shabat.
SÓ PARA JUDEUS
O cabalista Yitzhak Kadouri segura
um exemplar do Zohar na biblioteca de sua casa em Jerusalém, em 2004.
Um dos maiores estudiosos contemporâneos da cabala, Kadouri ganhou
notoriedade por sua influência política e por suas declarações
polêmicas. Em 2004, durante visita de Madonna a Israel, ele se recusou a
falar com a cantora, dizendo que "o estudo de cabala é proibido para as
mulheres, e também para os que não são judeus".
A cabala no tempo Conheça a evolução da corrente mística judaica, da criação do Universo até os dias de hoje
Criação
Origem - 3700 a.C.
Deus cria Adão. Há quem defenda que ele teria sido o primeiro conhecedor da cabala, obtida diretamente do Criador.
Patriarca - 1800 a.C.
Nasce Abraão, patriarca dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos. Para alguns, ele seria o primeiro conhecedor da cabala.
Êxodo - 1500 a.C.
O profeta Moisés teria recebido a cabala diretamente de Deus no monte Sinai, juntamente com a Torá e os Mandamentos.
Templo - 516 a.C.
É erguido o Segundo Templo em Jerusalém. A chamada Torá Oral é transmitida ao longo dos anos.
Formação
Diáspora - 70 D.C.
Perseguição romana e destruição do Segundo Templo. Segunda diáspora. Cabala é mantida em segredo.
Palácios - Séc. 1
É escrita a coleção de literatura judaica conhecida como Heichalot ("Os Palácios"), que inspirou motivos cabalísticos.
Manuscritos - Séc. 2
É
escrito o livro Sefer Yitizirah, a obra mais antiga do chamado
esoterismo judaico. Segundo a tradição, é escrito também o Zohar, no
idioma aramaico, pelo rabino Shimon bar Yochai.
Título - Séc. 11
O
termo cabala passa a ser usado para identificar o misticismo judaico.
Não há consenso se o pioneiro nesse uso foi o filósofo judeu Shlomo ibn
Gevirol ou o cabalista espanhol Bahya ben Ahser.
Expansão
Redescoberta - Séc. 13
O Zohar é descoberto (ou escrito, segundo alguns estudos) e distribuído pelo escritor judeu-espanhol Moisés de León.
Renovação - Séc. 16
Sábios cabalistas refugiam-se na cidade de Safed, em Israel: entre eles está Isaac Luria, criador da cabala luriânica.
Vivência - Séc. 18
Fundado
pelo rabino e místico judeu Baal Shem Tov, o judaísmo hassídico, ramo
ortodoxo que prega a vivência mística da fé judaica, populariza uma
forma mais simples de cabala no Leste Europeu.
Tradução - Séc. 20
O
rabino Yehuda Ashlag, fundador do Kabbalah Centre de Israel, completa
em 1922 a primeira tradução do Zohar para o hebraico moderno. Em 1984,
Philip Berg funda o Kabbalah Centre de Los Angeles.
Ao
acompanhar esta linha do tempo, você vai notar algumas discrepâncias
entre o que dizem as tradições judaicas e a opinião dos estudiosos. O
caso mais exemplar é o do Zohar: no século 13, Moisés de León distribuiu
a primeira versão escrita da obra, alegando que havia encontrado os
manuscritos originais, do século 2. Conta-se, porém, que um homem rico
ofereceu à viúva de Moisés de León uma alta soma de dinheiro pelos
originais. Desolada, ela teria confessado que seu marido era o
verdadeiro autor.
Uma verdade, muitos caminhos Cada
misticismo tem seu próprio método para chegar até a Verdade. Mas a
essência é a mesma.
Veja aqui as semelhanças e
diferenças entre 6
correntes místicas.
CABALA
O
que é - O misticismo judaico é baseado na crença de que todos os
segredos do Universo foram revelados por Deus, de forma codificada, na
Torá. Os cabalistas procuram desvendar esses segredos.
Principal texto - Distribuído no século 13 pelo rabino Moisés de León, o Zohar ajuda a explicar os ensinamentos ocultos na Torá.
Principal
patriarca - Abraão, embora não haja consenso se o primeiro conhecedor
da cabala teria vindo antes (Adão ou Noé) ou depois (Moisés).
Entidade
máxima - Ein Sof, o Deus-Infinito, que criou o Universo usando as 22
letras do alfabeto hebraico e as 10 emanações chamadas de sefirot.

GNOSTICISMO
O
que é - Gnose é um tipo especial de conhecimento, uma espécie de saber
profundo. Ligado à história do cristianismo, o gnosticismo possui
elementos pagãos e outros sincretismos.
Principal texto - Escrito por volta do séc. 2, o Pistis Sophia relata os ensinamentos de um Jesus ressuscitado aos apóstolos.
Principal patriarca - Para os gnósticos, Jesus Cristo é o maior mestre de todos os tempos, mas não é considerado o próprio Deus.
Entidade máxima - O Absoluto. Num conceito próximo ao do Ein Sof, Ele também tem emanações, conhecidas como "Æons".
SUFISMO
O
que é - A palavra remete à ideia de pureza. Enquanto o islã crê no
encontro com Deus após a morte, o sufismo defende essa possibilidade
ainda em vida, por meio de uma experiência mística, chamada irfan.
Principal
texto - Escrito no século 11 pelo sábio persa Hujwiri, o Kashf al
Mahjub ("Revelando o Velado") discute os principais conceitos sufistas.
Principal
patriarca - O profeta Maomé teria transmitido os ensinamentos sufistas
àqueles que poderiam experimentar um encontro com Alá.
Entidade
máxima - Seguindo a tradição islâmica, Alá é o único Deus, embora tenha
uma coleção de nomes, assim como acontece na cabala.
RAJA IOGA
O
que é - Originado no hinduísmo, o raja ioga ("ligação", em sânscrito)
também está presente no budismo e consiste em disciplinas mentais muito
além das práticas mais conhecidas no Ocidente.
Principal texto -
Os textos hindus conhecidos como Ioga Sutra explicam os meios de atingir
o Samadhi, que seria a união completa com Deus.
Principal
patriarca - Não tem. Entretanto, uma figura histórica importante é
Patañjali, autor dos Yoga Sutra e de outros textos filosóficos.
Entidade
máxima - Brahman é para o Ioga a Realidade Eterna, Infinita, Imutável,
Origem e Identidade de tudo o que há no Universo.
ZOROASTRISMO
O
que é - Misticismo surgido na antiga Pérsia, baseado nos ensinamentos
de Zaratustra. Dizem que os iniciados detinham o conhecimento místico
necessário para dominar as forças da natureza.
Principal texto -
Chamado Gathas, traz versos que exploram a essência divina da Verdade,
da Mente Sadia e do Espírito de Justiça.
Principal patriarca - O
profeta Zaratustra (ou Zoroastro) viveu em algum momento entre os
séculos 16 e 10 a.C. e teria sido o autor do Gathas.
Entidade
máxima - Chamado por Zaratustra de "o Deus não criado", por ser a origem
de tudo, Ahura Mazda é onisciente, mas não onipotente.
TAO
O
que é - Profundamente dualista, o tao prega o caminho do equilíbrio
entre os eternos opostos. Viver em harmonia, agindo com sutileza por
meio do "não agir" (wu-wei), seria a chave para atingir o Tao.
Principal
texto - O Tao Te Ching ("Livro do Caminho e da Virtude") serviu de
inspiração não só para o taoismo, mas também para o zen-budismo.
Principal patriarca - Autor do Tao Te Ching, o reverenciado Lao Tsé (o nome significa Velho Mestre) é envolto em mistérios.
Entidade
máxima - Verdadeira natureza do Universo, o Tao o precede e o abarca
completamente. Não personificado, confunde-se com o próprio Caminho.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
por Texto Daniel Schneider
REVISTA SUPER INTERESSANTE.