quinta-feira, 4 de julho de 2019

Carl Gustav Jung e o Tarô Analítico.

O fascínio pelos oráculos é fruto da consciência do homem de que terá um futuro – o que pode ser uma dádiva ou um castigo a depender do momento e de quem observa. A prática oracular é ancestral e tem origem incerta. Acredita-se que surgiu a partir da observação de fenômenos naturais e da correlação destes mesmos acontecimentos com fatos da vida cotidiana. Com o tempo, passou a ser interpretada como tentativa de preleção do futuro e, posteriormente, como instrumento de orientação para decisões.

Dessa forma, é seguro dizer que esses sortilégios tiveram uma participação ativa no papel de formação das civilizações e que estão presentes em todas as culturas. Junto com elas, os sistemas oraculares sofrem adaptações e atualizações – basta observar os inúmeros oráculos eletrônicos que temos na atualidade, e a eficácia atestada por indivíduos que a eles recorrem.

 O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, criador da Psicologia Analítica, estudou atentamente a participação da crença mística no funcionamento da psique. Naturalmente, encontrou nos oráculos um campo fértil de pesquisa, dedicando-se principalmente à astrologia e ao I Ching. Jung concordava que os instrumentos promoviam um diálogo franco com forças invisíveis. Mas, em vez de espíritos e gênios, ouvia nos oráculos a voz do inconsciente. Ao receber essa interpretação, os sortilégios ganham outra roupagem: se transformam em veículos interessantes ao processo de autoconhecimento.

O Tarot é certamente um dos oráculos mais populares do mundo ocidental contemporâneo. Composto por 78 cartas, constitui um forte conjunto de símbolos, que vêm sendo usados por anos a fio como instrumento de preleção do futuro e autoconhecimento. A incerteza da origem das imagens reforça o quê mágico e ainda provoca uma série de especulações. Uns associam o baralho ao conhecimento hermético advindo do antigo Egito, enquanto outros dão aos indianos o crédito de elaboração do sistema. Há ainda aqueles que garantem a origem cigana nos tarôs – embarcados na aura de mistério e misticismo que acompanha este povo. No entanto, pesquisas apontam para sua criação em meados da Renascença – bem depois do que acredita a maioria – com uma função recreativa, simplesmente.

No entanto, os personagens, virtudes e situações descritas nas cartas sinalizam pontos importantes da trajetória humana. Jung enxergou no Tarot uma rica expressão do inconsciente coletivo – conceito que criou para designar uma espécie de conteúdo residual de todas as experiências da humanidade, atualizada por repetição com o passar dos anos. Lá estão representados, por exemplo, o amor materno, o impulso para a guerra e o fascínio pelo divino. Assim como os demais oráculos, o Tarot seria um sistema de representação dessas e muitas outras potencialidades humanas, chamadas arquétipos. A partir das figuras estampadas nas cartas, o indivíduo seria chamado a refletir sobre as virtudes e dissabores da própria existência. E, a partir dessa reflexão, levar a decisões mais favoráveis ao próprio desenvolvimento.

Mas qual seria a mágica que levaria a escolha da carta certa para ilustrar o momento em que estamos vivendo? Para Jung, tudo se processa como resultado do movimento psíquico, uma forma peculiar de diálogo. Para entendê-la, é preciso saber que a expressão do inconsciente se dá a partir de símbolos. E esta também é a linguagem que compõe cada lâmina do Tarot. Quando escolhe, ao acaso, um certo número de cartas de um monte, o consulente concede ao inconsciente um veículo para que se expresse. Este usará, a partir da simbologia das cartas, um canal de comunicação com a consciência.
Ao tarólogo cabe o papel de decodificação e organização das informações, a partir dos símbolos que surgem, de forma acessível à compreensão do consulente. Obviamente, essa atividade exige atenção para que as informações sejam transmitidas com o menor grau de interferência, de preconceitos e de opiniões próprias.

Sincronicidade

A “mágica” das coincidências significativas, que se manifesta nos oráculos, foi conceituada por Jung como sincronicidade. Ela é uma dos métodos usados pelo inconsciente para trazer à tona uma percepção – não só a partir das artes adivinhatórias, mas também daquelas outras “coincidências” que nos tocam de forma tão profunda, a ponto de despertar a uma nova observação do momento já conhecido. Essa foi uma das mais controversas teorias junguianas, pois era considerada mística demais para ser considerada ciência. No entanto, desde Einstein, a Física Quântica aponta para a comprovação das hipóteses a partir do estudo da energia como condutora de informação.

Muitas vezes, os eventos sincronísticos nos conduzem aos insights que tanto esperamos: é como se, em um breve momento, a ignorância se descortinasse e pudéssemos vislumbrar a realidade. E, assim, nos sentíssemos seguros para superar as dificuldades impostas pelo momento.

A percepção do espaço e do tempo são atributos da consciência. Ou seja, no inconsciente eles se perdem, não têm a mesma importância que damos na vida lúcida. Como manifestação do inconsciente, a sincronicidade é capaz de ensinar sobre a sensação de relatividade do tempo, inclusive durante uma consulta oracular. Assim surgem, com a mesma facilidade, evocações do passado e lampejos de futuro. Da mesma forma, distâncias físico-espaciais se encurtam.

O que ordena a prioridade do que é apresentado durante um jogo é a carga afetiva dos acontecimentos, e não os fatos em si. Por esse motivo, muitas vezes o consulente chega com questionamentos pré-formulados e, ao iniciar a consulta, uma nova problemática se apresenta e domina o assunto. Antes de debruçar sobre o que quer saber, ele deve se debruçar sobre o que precisa saber.

Tarot Analítico

Já praticava o tarot quando tive os primeiros contatos com as teorias junguianas. A partir delas, percebi que os símbolos presentes em cada carta eram ricos demais para serem reduzidos a um quê adivinhatório das consultas. Isso muitas vezes levava o consulente a mais expectativas que certezas – e a experiência me fez entender o risco que isso envolvia. Ao buscar um aprofundamento na Psicologia Analítica, percebi que o oráculo poderia funcionar, na verdade, como uma eficaz ferramenta de acesso ao inconsciente. E que, em vez de previsões, o foco deveria estar nos esclarecimentos – algo mais pertinente ao desenvolvimento pessoal, ao autoconhecimento.

Assim, busquei desenvolver uma metodologia que proporcionasse uma chance maior e mais segura para esse mergulho. Em referência às teorias junguianas, resolvi denominá-la por Tarot Analítico. Nesse enfoque, a consulta se transforma em um exercício de ampliação da consciência, com base em símbolos, mitos e dinâmicas psíquicas revelados a partir das cartas. A consulta se divide em duas fases: uma explanação geral sobre as dificuldades enfrentadas no presente momento e, em seguida, um espaço destinado a explorar temáticas não apresentadas na primeira fase.

A partir dos símbolos e mitos presentes em cada arcano, o consulente é chamado a refletir sobre os padrões emocionais, expectativas e negligências vividas no momento – e também sobre a participação de cada um desses aspectos na manutenção do problema, em vez da solução do mesmo. Ou seja, o tarot convida à autoanálise e, consequentemente, à revisão de valores e de posturas adotadas.

Enxergar o oráculo como uma chave para o desenvolvimento pessoal é, antes de tudo, confiar que podemos ser guiados com sabedoria por esse invisível – sendo ele chamado de Deus, de Self etc.
O oráculo desmascara a nossa tentativa de controle exaustivo, mas também nos desperta a agir. Dá a clareza necessária para o entendimento da postura adotada diante dos nossos objetivos, e do que precisa ser feito para que possamos alcançá-los. Aprendemos a medir nossos medos e ansiedades. Entendemos sobre a verdadeira função dos outros em nossa vida, e vice-versa. Tornamo-nos mais responsáveis pelo futuro que tanto desejamos.

Gratidão.
Paz e Luz!

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